O índio: aquele que deve VIVER
Há 40 anos o Brasil encontrava-se mergulhado no
período mais repressivo dos chamados “anos de
chumbo”. Sob a égide da ditadura militar, o país
vivia segundo a ordem do terror e do medo. O silêncio se
impunha como arma letal utilizada pelo Estado contra a
Sociedade. Romper o silêncio podia significar uma sentença
de morte. A Doutrina da Segurança Nacional, imposta
pelos Estados Unidos a todos os países da América Latina,
justificava a tortura e a morte dos filhos e filhas da pátria
nos porões da ditadura brasileira.
Enquanto nas cidades trabalhadores, estudantes
e militantes políticos foram perseguidos e presos, camponeses
e indígenas na área rural são massacrados ou
expulsos de suas terras para dar lugar ao ‘progresso’ que
chegava como alternativa ao ‘atraso’. Nesse período (1972)
é inaugurada a Rodovia Transamazônica (BR-230), símbolo
do delírio desenvolvimentista da época que representava
a destruição de pelo menos 30 territórios indígenas e a
morte de muitos índios.
Mesmo assim, em meio a toda aquela realidade de desesperança,
era possível ouvir vozes corajosas e destemidas,
como a do bispo-profeta Dom Hélder Câmara que insistia
em dizer que “por mais longa e tenebrosa que seja a noite,
sempre haverá um alvorecer”. Convencidos dessa certeza,
muitos segmentos da sociedade brasileira construíram
espaços de articulação e luta como forma de organizar a
esperança, romper as correntes da ditadura e projetar um
futuro promissor. Exatamente nesse contexto nasce o Cimi,
formado a partir da reunião de 25 missionários e missionárias,
inicialmente convocados pelo então Secretário Geral
da CNBB, Dom Ivo Lorscheiter, para discutir o Projeto de
Lei n. 2328, uma proposta de criação do Estatuto do Índio,
na época em tramitação na Câmara Federal.
No mesmo ano, os bispos da Amazônia reuniram-se
em Santarém (24 – 30 de maio) num encontro que se
tornaria marco histórico para a Igreja na Amazônia. Os
bispos escolhem a pastoral indígena como uma das quatro
prioridades de sua ação evangelizadora. Afirmam que a
Igreja na Amazônia está “cumprindo missão que lhe vem
de Cristo e que a impele em busca, preferencialmente, dos
agrupamentos mais frágeis, mais reduzidos e mais suscetíveis
de esmagamento nos seus valores e no seu destino“ e
consideram o Cimi recém-criado “órgão providencial (...)
a serviço do índio e das missões indígenas“.
O Cimi sempre entendeu o empenho em favor dos
Povos Indígenas, por seus direitos à vida e ao Bem Viver
como cumprimento da “missão que lhe vem de Cristo”.
Jesus não exige apenas uma atenção especial aos pobres e
ameaçados em sua sobrevivência. Ele se identifica com os
famintos e sedentos, com os expulsos de suas terras, com
os presos e injustiçados (cf. Mt 25,31-46). E muito mais se
identifica ainda com quem é agredido em seus direitos mais
elementares e em sua dignidade fundamental de filhas e filhos
de Deus, feitos à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1,27).
Por isso, já em 1973, o Cimi publica o “Y-Juca-Pirama:
o Índio Aquele que deve morrer” documento que denuncia
a política genocida do Governo brasileiro contra os
povos indígenas do país. A consistência das informações
e análises apresentadas causou tão grande impacto junto
à opinião pública nacional e internacional a ponto de
ofuscar a publicação da Lei 6001/73 (Estatuto do Índio)
que os militares pretendiam utilizar como propaganda
para amenizar os efeitos das denúncias sobre o extermínio
de indígenas brasileiros frequentemente denunciados no
exterior.
Passadas quase quatro décadas da publicação daquele
primeiro manifesto, muitas das situações denunciadas ainda
persistem, mas podemos afirmar com toda segurança
que os povos indígenas, graças à sua grande capacidade
de resistência, luta e organização, conseguiram expulsar –
de uma vez por todas – a ameaça da extinção. Motivado
pela celebração de seus 40 anos, o Cimi publica hoje esse
segundo manifesto no intuito de concretizar a profecia
anunciada pelo Y Juca Pirama: “Chegou o momento de
anunciar, na esperança, que aquele que deveria morrer é
aquele que deve viver”.
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